Montaria a cavalo:
um convite ao estudo antropológico sobre a relação entre humanos e animais na equoterapia
Palavras-chave:
animalidade, humanidade, ações, corpoResumo
Sob perspectiva antropológica, a pesquisa busca compreender como se delineia a interação entre humanos e animais no interior da prática terapêutica contemporânea denominada equoterapia. O objetivo inicial do estudo consiste em definir o lugar que os cavalos ocupam neste espaço terapêutico, investigando-se o modo pelo qual estes animais em particular são avaliados e posicionados pelos outros atores envolvidos. Estariam estes animais presentes apenas como ajudantes, num viés utilitarista ou, mais do que isto, como substitutos ou complementares aos terapeutas humanos? Na equoterapia, os estatutos de cavalos variam nas diversas situações, sugerindo que a agência imputada a eles pode estar em discussão. Embora ainda em fase de análise, apresento neste artigo alguns tópicos que orientam a pesquisa em curso. Nas observações que se seguem, busco explorar detalhes das relações múltiplas que se desenham entre cavalos, terapeutas, auxiliares-guia, praticantes[1] e familiares de praticantes. Sugiro que as relações entre humanos e animais, conforme emergem no Centro Equestre onde realizei as visitas de campo, são modeladas por um conjunto de ações corporais que se articulam a modos de comunicação verbal e não verbal. Sobretudo, pretende-se discutir tipos de experiência que tomam parte no Centro, em que o corpo é a condição de possibilidade de diferentes modos de comunicação, na modalidade verbal mas também aquelas que excedem o uso da linguagem, entre alteridades discursivas e não discursivas (Kohn, 2013). O intuito da pesquisa é explorar as possíveis composições de corpos, humanos e animais, que tomam parte nas sessões de montarias. A fim de que executem ações corporais pré-definidas, terapeutas e auxiliares-guia do Centro Equestre estabilizam cavalos dentro de certo regime de domesticação, o qual será discutido mais adiante[2]. A prerrogativa de manter corpos sob controle é também marcada por uma série de inferências sobre intenções e preferências que os cavalos manifestam durante as sessões, e que são lidos como necessidades fisiológicas (como urinar) ou, então, como um comportamento estratégico, em que cavalos “fingem” urgência fisiológica, quando, na verdade, estariam com “preguiça” de caminhar. É neste sentido que as ações de cavalos durante as montarias interessam, como indicadores de intenções ou necessidades, que os terapeutas analisam a partir dos movimentos por eles executados (Despret, 2004). Frente ao crescimento significativo de debates em torno da presença dos animais nos mais variados âmbitos do mundo social (Haraway, 2008; Helmreich & Kirksey, 2010; Ingold, 2000), o estudo de sua participação também em contextos ligados à saúde pode indicar a tônica do tratamento conferido aos cavalos ali presentes, e, eventualmente, contribuir para uma reflexão sobre certa reconfiguração política da categoria animal e, portanto, do próprio vínculo humano-animal.
[1] Segundo relatos dos terapeutas interlocutores da pesquisa, na equoterapia prioriza-se o uso do termo “praticante” em detrimento de “paciente” para pessoas em tratamento (embora este último tenha sido utilizado por eles em algumas de suas falas). O termo “praticante” parece ser uma maneira de enfatizar o papel ativo daquele que se encontra em tratamento, em detrimento da ideia de paciente, que remeteria à condição de passividade apresentada por aqueles que apresentam deficiência.
[2] Menos do que preso a uma chave restritiva de relações de poder e dominação (ainda que estas estejam aqui inclusas), procuro, sobretudo, explorar o sentido que a domesticação assume para os atores presentes na equoterapia.
Referências
Birke, Lynda. “Learning to Speak Horse”: The Culture of “Natural Horsemanship”. Society and Animals, vol. 15, 2007, pp. 217-239.
Costa-Neto, E.M. Healing with animals in Feira de Santana city, Brazil. Journal of Ethnopharmacology. 65, 1999, pp. 225-230.
Despret, Vinciane. 2004. The body we care for. Figures of anthropo-zoo-genesis. Body and Society. Vol. 10 (2-3): 111-134. Disponível em: . Acesso em Julho 2013.
Haraway, Donna. When species meet. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2008.
Ingold, Tim. “Humanidade e Animalidade”. Revista Brasileira de Ciências Sociais (São Paulo), n.28, 1995.
__________. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling, and skill. New York: Routledge, 2000.
Kohn, Eduardo. “How Forests think”, Toward an anthropology beyond the human, Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 2013.
Oliva, V.N.L.S, “Terapia assistida por animais”, Zooterapia: os animais na medicina popular brasileira. COSTA-NETO, E.M.; ALVES, R.R.N. Recife: NUPPEA, 2010.
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